Quando escrevo, eu me coço todo. Abro buracos desproporcionais na epiderme. De tão fun
Quando escrevo, eu me coço todo. Abro buracos desproporcionais na epiderme. De tão fundos, eles alcançam a minha segunda camada de proteção. De tão grandes, eles até poderiam me abrigar por alguns segundos ou, quem sabe, me obrigar a permanecer por lá enquanto eu não cicatrizo. A timidez mora nessas valas que eu mesmo construí. Eu me encaixo tão bem nesses abismos.As bactérias e os micróbios também habitam nessas covinhas. Elas fazem ideia do que eu sinto? Eles sabem ao menos que eu existo? Em noites mais solitárias, chego a escutar um boa-noite vindo de algum lugar do interior dos meus braços. A solidão faz a gente se apegar ao que parece não existir. Você existe?A insegurança devora minhas unhas. De onde vem todo esse medo? Por que me desprotejo tanto? Por que me despedaço, assim, aos poucos? Meus dedos parecem retroescavadeiras; meu corpo, um canteiro de obras. Carrego 10 incansáveis trabalhadores que me cutucam 24 horas por dia, 7 dias por semana. Não há descanso. Folga. Feriado. Eles alteram, de forma quase imperceptível, a maciez da minha pele. Acontece uma pequena metamorfose diária em mim, em nós. Quem irá nos despertar desses sonhos intranquilos, Gregor?Quando passo o indicador, sinto que na superfície onde antes ainda havia resquícios de delicadeza (uma estrada perfeitamente asfaltada), hoje encontro calos, lombadas e relevos de feridas em processo de cicatrização (a dor deixa tudo meio off-road). Os caminhos de quem parte devem ser assim, cheios de lombadinhas, né? A vontade de ficar são esses quebra-molas. Eles tentam adiar nossa ida. Eles fazem de tudo para atenuar nosso adeus. Eles são aquele último esforço para deixar menos veloz nosso próximo passo. Em vão. Eles sabem que a gente não sabe permanecer.Partir é o que o corpo faz para não explodir.———-Texto: Mãos Silenciadas; parte 4/7, de PEDRO GABRIEL. -- source link
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